Alimentos e bebidas respondiam por 21,9% da receita em 2013 e hoje chegam a 26,8% do faturamento
O segmento de bebidas e alimentos vem ganhando espaço na receita das principais redes hoteleiras do país. Hoje, alguns dos importantes empreendimentos do Brasil chegam a ter até 60% de seu faturamento proveniente dos bares e restaurantes, que cada vez mais miram no público externo.
Levantamento feito em mais de 500 hotéis pela consultoria JLL, com apoio do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB) e da Resorts Brasil, mostra que alimentos e bebidas representaram 26,8% de todo o resultado operacional da indústria em 2023 - em 2013, essa participação correspondia a 21,9%. Nos segmentos de luxo, com diária média em R$ 1.228, essa fatia foi ainda maior, de 28,4% no ano passado.
“Durante muitos anos, o setor de alimentos e bebidas foi visto como um mal necessário, e não como um negócio que dava dinheiro, a não ser em grandes hotéis. Lá fora isso já mudou, e no Brasil, está acontecendo aos poucos”, disse o diretor de consultoria e avaliação da JLL, Ricardo Mader.
Enquanto a receita operacional por quarto disponível do setor saltou 50,7% de 2022 para 2023, para R$ 130,8 mil, a receita operacional de alimentos e bebidas avançou 107,6%, para R$ 35 mil. Os ganhos, segundo Mader, vieram de fatores como a recomposição de preços e o aumento dos eventos e, com eles, mais visitantes nos empreendimentos.
Na Accor, maior rede do Brasil com mais de 300 hotéis, esse segmento hoje tem papel central. “Nosso hotel Joe&Joe no Rio [inaugurado em 2022] tem 60% do faturamento vindo de alimentos e bebidas. Todos os dias há um evento por lá”, disse Olivier Hick, diretor operacional da Accor Brasil na divisão Premium, Midscale & Economy. Apenas aos sábados, em que o hotel realiza uma feijoada, são mais de 400 pessoas visitando seus restaurantes.
"Mudança começou antes, mas a pandemia foi um divisor de águas” — Mark Campbell
A média da Accor por aqui varia entre 20% e 30% de suas receitas com origem em bares e restaurantes. Sem contar o café da manhã, cerca de 60% da receita de bebidas e alimentos vem do que é consumido por clientes que não estão hospedados nas propriedades, o que representa uma virada de chave do setor.
“O que mudou, nos últimos anos, é que a hotelaria e os investidores passaram a arriscar mais”, disse Hick. Outra estratégia foi a flexibilização dos padrões das marcas. “Se uma rede de hotel como a Accor disser que você não tem liberdade para criar algo diferente, fora do padrão, você tem um problema. O que mudou completamente foi a autonomia que demos aos hotéis”, disse.
O executivo afirmou que, no passado, era difícil convencer os incorporadores a investir em projetos na área de bebidas e alimentos. “Hoje, temos quase de convencer o empresário a não fazer esse tipo de investimento em todas as propriedades, porque, muitas vezes, eles querem instalar um ‘rooftop’ em um hotel que não teria demanda para essa atividade.”
O Novotel do Leme, no Rio, passou por uma reforma há três anos de rooftop, piscina e restaurante. Antes, essa área faturava entre R$ 50 mil e R$ 60 mil por mês. Depois, chegou a um faturamento mensal entre R$ 300 mil e R$ 400 mil, com um pico de R$ 500 mil.
No passado, restaurantes e bares eram deixados de fora dos processos de incorporação dos prédios. Com isso, o investimento em maquinário para os restaurantes, por exemplo, ficava a cargo de empresas terceirizadas que fossem operar os restaurantes por meio da locação dos espaços. Mas a indústria mudou a estratégia e, hoje, o foco é ter uma operação própria.
A migração de uma operação de alimentos e bebidas terceirizada para própria foi o caminho adotado pela Atlantica Hospitality, segunda maior operadora do Brasil. Há sete anos, apenas 33% dos hotéis da empresa tinham restaurantes e bares próprios. Hoje, esse percentual é de 60%. O plano é retirar todos os terceirizados e ter 100% de operação própria nos próximos cinco anos, contou Mark Campbell, vice-presidente de Produtos e Serviços Técnicos da Atlantica.
“A mudança começou antes, mas a pandemia foi um divisor de águas. Durante a pandemia, os hotéis tiveram pouca receita e era importante compreender quais eram as oportunidades que existiam e trabalhá-las da melhor forma”, disse Campbell. “Nos últimos três anos, não abrimos nenhum hotel que não tivesse operação de alimentos e bebidas própria”, disse.
O setor segue se transformando e uma das tendências, segundo executivos e especialistas, é o segmento de bebidas cada vez mais superar o de alimentos - com isso, a clássica sigla A&B tem virado B&A em algumas propriedades. “É muito mais fácil prestar serviço em bebidas. Isso descomplica a operação”, disse Paulo Mélega, VP de operações da Atrio, terceira maior administradora de hotéis do Brasil.
Mélega afirmou que o setor tem buscado até mudar os seus espaços para ceder mais área aos bares. “No Rio Grande do Sul, tivemos quatro hotéis que foram muito afetados pelas chuvas. Na reforma, estamos mudando e levando o bar para onde era a recepção. Não é só uma tendência. É uma realidade no mundo”, disse.
Antes, a recepção acabava por ocupar um espaço de muito destaque na entrada do empreendimento, ao passo que, cada vez mais, o processo de check-in se tornará automatizado.
A Atrio atua sobretudo na divisão de quartos econômicos por meio de marcas da Accor, entre elas a Ibis. “Antes, o Ibis vendia basicamente lasanha congelada como uma conveniência. Hoje, temos operação com pizzaria, a Sponta, em cinco prédios nossos”, disse. O executivo lembra que a própria exigência aumentou e hotéis econômicos são forçados a ter diversidade, como comida vegana, para atender a seus hóspedes. “Há 15 anos, isso não existia”, disse.
O grupo teve uma surpresa em Recife em agosto, na inauguração de um Novotel. Apenas no primeiro fim de semana de operação, 140 pessoas foram visitar o empreendimento para tomar café. “Tivemos de instituir uma agenda de visitantes para o café”, contou.
A culinária tem peso ainda maior em propriedades de luxo, onde muitos clientes optam por se hospedar por causa dos restaurantes e bares. Nesse sentido, uma das principais atrações de São Paulo, hoje, é o hotel Rosewood, no Cidade Matarazzo, complexo do baixo Bela Vista. Segundo Edouard Grosmangin, vice-presidente regional e diretor geral do Rosewood São Paulo, atualmente, o departamento de alimentos e bebidas equivale a 46% do faturamento do hotel.
“No setor de hotelaria de luxo, esse percentual é bastante comum. No Rosewood São Paulo, por exemplo, o Le Jardin, nosso principal restaurante e aberto 24 horas, recebe cerca de 15 mil pessoas por mês”, disse. Todo o setor de alimentos e bebidas do hotel é gerenciado internamente.
Grosmangin conta que, no Brasil, o segmento de restaurantes em hotéis de luxo viveu uma época de ouro há cerca de 20 anos, mas acabou perdendo o prestígio na última década. “Existem algumas referências do setor, conhecidas pelo grande público. Porém, em São Paulo especificamente, o segmento tem retomado a notoriedade, principalmente com a vinda de grandes nomes da gastronomia para essas cozinhas”.
Mas nem tudo é festa. A inflação de bebidas e alimentos tem deixado o setor em alerta e provocado uma subida de preços. “Nos últimos três anos, tivemos de elevar os preços em cerca de 50%”, contou Hick, diretor da Accor. Ele lembra que, no passado, um refrigerante custava R$ 4 e, hoje, já se aproxima dos R$ 10. “Tivemos de trabalhar muito com o fornecedor, com acordos, assim como reduzir porções e também cortar a oferta no cardápio, para ter mais qualidade e melhor gestão”, disse.
Outro desafio da indústria é fazer frente à forte demanda por profissionais e perder menos funcionários para outros negócios. A taxa de rotatividade (“turnover”) na indústria hoteleira está na casa de 30% ao ano.
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